VITO PENTAGNA
(Piracicaba, 1914-Valença 1958), poeta, era diplomado em Direito.
Autor dos livros: Três momentos de poesia, saído em 1939 (com Augusto de Almeida Fº e Amiar Fares) e Poemas (edição post-mortem, reunião dos últimos escritos promovida pelos amigos e familiares em 1978).
A MULHER NA POESIA DO BRASIL. Coletânea organizada por Da Costa Santos. Belo Horizonte, MG: Edições “Mantiqueira”, 1948.
291 p. 14x18 cm. Capa de Delfino Filho.
Ex. bibl. Antonio Miranda
MUSA INFIEL
Mulher é, mesmo, apagar a luz;
resta-me, apenas, ter de sonhar...
Talvez, na sombra, menos esquiva,
sem mais preâmbulos, se deite a musa.
Já é bastante querê-la assim:
Nenhuma enseada onde ancorar,
sem, nem, ao certo, pouso de amor.
Lua sem fase, tresnoitada virgem,
vem espontânea, mas, é tão difícil
que, ao menor toque se desvanece.
Sinto-a, de perto, na fria distância,
fragrantes rastros propositais;
busco-a, sem tréguas, e, ao fim, a encontro
em equilíbrio por sobre as ondas.
Em contorções, tento retê-la,
invento histórias para entretê-la,
acalantos e redes em que adormeça.
Mas, salta do sono sem despertar,
desliza, célere, por entre os dedos;
corre, descalça, por sobre espelhos,
sem se ferir, sem se cortar.
E se dissolve pelas cortinas,
para ressurgir dentro dos móveis,
através muros de pedra e cal,
trazendo, na carne intata e pura,
marcas de beijos e aventura.
Não há ternura, nem há carícia:
experimentei a violência e até a sevícia.
Forjei cadeias de ferro e aço;
com nó cerrado, em estreito laço;
tentei retê-la bem junto a mim.
Mas, que fazer se, na sua pele,
do dia pra noite, erva daninha,
surgem vestígios, outros contatos...
Este mais fundo foi presa de ouro...
Guarda noturno, na noite larga,
só porque a lua banhou-lhe a fronte.
Passou semanas sem dar notícias.
Quando voltou quis espanca-la,
porém, sorriu-me com tal malícia,
com tal candura de dona impudica,
ingênuo anjo sem preconceitos,
que não tive palavras para falar-lhe.
Amar assim já é demais.
Moça incorpórea, quase fantasma,
correm mil lendas a seu respeito:
Já foi vista, na madrugada,
cruzando a porta onde o silêncio habita.
O jovem pálido, que tosse e agoniza,
conta vantagem de seu comércio;
também o triste, cuja ferida não cicatriza.
Dizem encontra-la na encruzilhada,
chamejante colo, flamas ao vento...
Mas, são murmúrios do sacristão,
funda calúnia que a boca espalha.
Se creio, ou não, nem mesmo eu sei.
Jamais contou-me qual segredo oculto
que vento a traz, que vento a leva,
em contínua andança, sem destino certo.
E ELAS PASSARAM ATIRANDO BEIJOS
Crucificaram as prostitutas
no alto dos préstitos carnavalescos,
e, entre os olhares acesos
e os risos canalhas dos homens,
elas passaram,
exibindo a nudez das carnes usadas,
transbordando das tangas de pedraria falsa,
e o esplendor outonal dos corpos gastos,
sob a fantasmagoria das luzes coloridas.
Elas passaram atirando beijos...
os únicos beijos castos de suas bocas pecadoras
que desperdiçaram, distribuindo-os a esmo,
e todos aqueles que vieram a ver
o espetáculo das prostitutas crucificadas
no alto dos préstitos carnavalescos
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Página publicada em agosto de 2021
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